Cadê o amor?
Se um país puder ser identificado por seus símbolos, falta algo no Brasil. Quando os franceses fizeram a sua revolução, o ideário desse movimento foi resumido em três palavras que ainda hoje estão nos corações e mentes de qualquer francês: "Liberdade, igualdade e fraternidade". Três valores absolutos que se combinam e completam.
Para ser livre é preciso ser igual e fraterno. Os americanos fizeram o mesmo em sua revolução. No preâmbulo da Declaração de Independência dos EUA estão caracterizados igualmente três princípios. Segundo os pais fundadores da América, todos os homens foram criados iguais por ninguém menos que Deus e ganharam, diretamente dele, pelo menos três direitos inalienáveis: "a vida, a liberdade e a busca da felicidade".
Os governos, segundo essa declaração, foram instituídos para assegurar esses direitos e sempre que não o fizerem deverão ser alterados ou abolidos pelo povo.
Da mesma forma que na fórmula francesa, para Jefferson, Franklin e demais constituintes americanos, que escreveram uma carta magna que em 200 anos continua a mesma, o homem nasce para a vida, livre e com o direito de ser feliz.
Juntando as idéias, as duas democracias que mais nos marcaram ao longo de nossa História legaram-nos como símbolos a vida, a liberdade, a igualdade, a fraternidade e a busca da felicidade. Cinco princípios, cinco como os dedos de uma mão, o suficiente para fazer não apenas um programa de governo, mas a própria essência do Governo.
Diante de episódios como o massacre de Eldorado dos Carajás, onde estão esses princípios? Onde está a vida? Cadê a liberdade? O que foi feito da fraternidade? E como buscar a felicidade sem tombar vítima de balas de jagunços ou soldados?
Quando fundamos a nossa República buscamos também uma idéia francesa. Infelizmente não adotamos simplesmente as três idéias absolutas legadas pela revolução. Preferimos um filósofo que estava em moda na época: Augusto Comte. Daí nasceu a divisa de nossa bandeira: "Ordem e Progresso". Mas, ao adotar a idéia de Comte e ao inscrevê-la em nosso pavilhão já cometemos uma primeira e imperdoável escamoteação; escondemos algo. Começamos falseando o pensamento do filósofo para enquadrá-lo num sistema que já era injusto e que injusto continua. Algo essencial ficou de fora, algo que transformaria completamente o sentido de "Ordem e Progresso".
A frase de Augusto Comte, da qual derivou o lema de nossa bandeira, é: "O amor por princípio, a ordem por base e o progresso por fim". Assim, a frase completa que deveria figurar em nossa bandeira seria: "Amor, Ordem e Progresso". O amor ficou de fora, jogamos fora o princípio mesmo do pensamento do filósofo, pois o amor, como os valores anunciados pelos fundadores das democracias francesa e americana, também é um valor maior, absoluto e transcendental; tão maior que condiciona e direciona irremediavelmente o sentido dos outros dois, como queria o filósofo.
Sem amor, "Ordem e Progresso" poderia estar escrito até na entrada de um campo de concentração. Só para lembrar, em Auschwitz estava escrito "O Trabalho Liberta" no portal por onde passavam os trens da morte.
Afinal, o que costumamos entender como ordem? Em nome desse conceito exige-se sempre, entre nós, que os injustiçados se calem e se conformem com a sua desgraça, com a sua escravidão, com a felicidade que é negada, com a ausência de fraternidade, sem a menor perspectiva de igualdade, à espera do progresso que nunca os alcança. E que progresso é esse que dá ouro a bancos falidos e chumbo a homens sem terra? Isso é exatamente o contrário do que pregavam Jefferson e Franklin!
Enquanto o amor não for resgatado e inscrito em nossa bandeira, nos corações e mentes das elites brasileiras, continuaremos sendo um país no qual seus habitantes, na sua grande maioria, não serão cidadãos brasileiros, nascidos livres e criados iguais, mas simplesmente "sem-terra, pivetes, trombadinhas, carentes, bandidos ou traficantes", periodicamente exterminados para manter a ordem e não atrapalhar o progresso. Cadê o amor?
FRITZ UTZERI (Jornalista)